sábado, 1 de março de 2008

Psicologia pra quê?




Era um prédio antigo. Desses que possuem dois ou três apartamentos por andar e que em baixo têm comércio, tipo padaria dúbia, boteco e lojinhas sem alvará, que revendem roupas revendidas do cara que, além de barbeiro (de verdade, que corta cabelo de homens e faz barba), sempre fora conhecido como o estilista que deixava as donas de casa mais magras e seus maridos mais furiosos. Não que suas esposas ficassem mais bonitas. Mas elas, sob a indução do mascate suburbano, desfilavam com roupas incrivelmente ridículas. E ninguém as convenceria do engodo pseudo-judeu a que estavam entregues.

Mas acontece que o tal barbeiro começou a exagerar. Não bastasse envolver as mulheres dos trabalhadores que sonhavam (os trabalhadores) com as gatas da Playboy, o danado fora acometido por uma idéia fantástica! E, diga-se de passagem, o homem era perspicaz. Todo o prédio ficou cliente dele.

Reuniu todas as adolescentes e passou a vender roupas 'moderninhas' para as meninas inseguras do bairro.

Nota-se que nesta época, ainda não havia shoppings e nem estilistas reconhecidos por aqui nesta terra que a princípio, o pessoal andava nú.

Mas ele tinha o dom da auto-estima. De elevá-la ao máximo, a qualquer preço. Por isso suas roupas eram caras. Mas as prestações eram pagas a perder de vista. Cortava bem cabelos de homens. Barbas bem feitas. Tinha também um compromisso com o perfeccionismo. Não vou negar.

O tempo foi passando e eu fiquei sem ver este vendedor por anos. Agora, devo admitir que eu mesma fora vítima de seus argumentos estilísticos.Sim! Esta crônica é uma vingança que cometo porque fui vítima do rei do mau gosto. O Everaldo. O cara que, independente de meus sinais mímicos à minha mãe, conseguia renovar meu guarda-roupa, sempre com aquele olhar vencedor de quem sabe convencer alguém comprar areia na praia. Ou gelo no Polo Norte. E eu só tinha treze anos!

Não fiz terapia por isso. Até porque não teria coragem de confessar ao psicólogo que deixei o 'coiffeur' cortar meu cabelo umas três vezes. Corte masculino. Curtinho. Afinal, ele era apenas um barbeiro. Só minha mãe não o notara.

E pra não ficar aqui fazendo análise tardia, vou terminando e contando, com o maior prazer, o que foi feito do Everaldo...


Ele é hoje um senhor bem menos fofoqueiro. Ainda vende roupas para pessoas sem gosto. Não sei se alguém as compra.

Mas quando cruzo com o odioso mascate por aí, sempre pergunto por sua filha mais velha (ele teve duas), e eu amo quando ele responde: "Ela está bem."

Mas ela não é exatamente a filha que ele idealizara. Que frustração. A menina jamais repetiu um ano na escola. Passou no vestibular e se formou em Psicologia na UERJ.

E eu pretendo um dia ter com ela. Eu só perguntarei onde corta o cabelo. Ou onde compra suas roupas.

Mas sempre regozijo em saber que seu pai fora sua cobaia por anos e que Everaldo foge da filha como o diabo da cruz. Acho que Deus existe, afinal.

6 comentários:

Unknown disse...

Vender coisas significa vender as idéias do comprador para ele mesmo, como se fossem também as suas. Com esse apoio, a venda se inicia. Alguém gosta do mesmo que eu gosto. Essa troca, permutação, metamorfose é a venda. Esse é o seu conteúdo, e por isso mesmo, talvez seja esse o motivo da decadência da profissão, ninguém se importa com ninguém, nem o suficiente para fazer uma mísera venda venal. Bjs.

L.S. Alves disse...

Dai começo a perceber que náo sou o único podre vingativo que caminha por essa blogosfera.
Confessa que você também gosta de ver a vida sacaneando quem te esculachou no passado.
Beijos. Fez-me rir.

Daisy Carvalho disse...

Djabal. Ainda bem que por aqui vendemos só idéias. E olhe lá :P

Beijo, lindo.

Daisy Carvalho disse...

Oi, Luciano :)
Confesso, confesso he-he-he

Beijo :D

Gelsa Mara disse...

OI Dayse, muito obrigada pelo comentário no meu blog. Não conhecia o seu, mas passarei a frequentá-lo.
Gostei do conto, você escreve há muito tempo?? Bjo.

Louis Alien disse...

hahaha muito boa crônica!
sempre temos alguma coisa de vergonhosa em nossas infâncias, em relação a quem somos hoje.